segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Delírio

É porque me lembro do teu rosto
onde escondeste o medo na distância
e da lonjura onde plantaste
a bandeira derrotada da desolação e o frio
no espelho baço da memória
o rosto duro e fechado e seco de quem teme a d-or
que se define por contraste
como a c-or
e é também película sensível
e oposto no espectro do am-or

É porque me lembro das tuas mãos
esquecidas para o íntimo
lembradas para o verso e não a palma
mais perto de soco que carícia
mais agudas do que côncavas
espiralmente pregadas nelas próprias
para abrigar a linha do coração
ferida

É porque me dá tristeza umas mãos tão lindas
e nada belo para fazer com elas
a não ser brincadeiras de criança escondida
túmulos do medo
dedo que se torna unha e unha garra
e garra ferro e ferro grade
trespassada até abrir de novo as mãos
que largam os cabos da vida e a verdade
para acariciar abraçar segurar agarrar
muito dentro muito fundo muito forte
a distância o adeus o delírio

É porque te vi te soube te fui
que sei da d-or sei do mundo e sei da morte

domingo, 9 de janeiro de 2011

epílogo em jeito de janela

Todos meus erros descendem do excesso,
não da penúria.

Fabrício Carpinejar, Reserva de Chuvas




Não se pode crescer por vontade de superar
o que não se compreende.
Não se pode descer do excesso de vazio
que convoca o excesso de efeito
para cobrir o código negro que o habita.

Deve ser por isso que gosto de constelações.
São tão belas sobre o código negro.
Além disso,
basta combinar estrelas para se extirpar o espelho.


(in Às Portas do Jardim, 2005)