sábado, 17 de dezembro de 2011

seguir

siete palmos de breve tierra
cuántos litros de verbo derramados
sobre la arena de la nada

qué difícil es desarmar
las intenciones desnudar
los ánimos asumir la derrota
de los ojos del deseo
de amar al prójimo
y dar no lo que se puede
sino lo que no se tiene
y seguir creyendo en el hoy
en el mañana en el humano
en el poder de cambiarse y cambiar
el mundo, nuestro mundo de gestos
y palabras breves, nuestro mundo
de seres ciegos y cercanos

pero qué bello es seguir
y mirarse y mirar al otro
y sentir que queda tanto por ver
por destruir por construir
tanta belleza por sentir
tanta verdad para dar
tanta vida para agradecer

morna cesariana

existe um jardim prometido
um oceano vital de necessidade
uma casa natal um colo onde dormir
um embalo suspenso sobre si mesmo
onde todos levitamos
onde tudo é possível
o infinito agora
onde a nossa casa é a lembrança
de uma música leve longínqua
que ecoa como a infância
um território sem forma onde aterram
os sonhos
onde o tempo é uma ideia louca
onde a única verdade é o ser
e os corações caminham descalços pela areia
que foi rocha e se tornou praia

terça-feira, 1 de novembro de 2011

vade retro

se fosse verdade
eu já tinha arrancado os dentes às nuvens
se fosse verdade
já tinha abraçado uma noite no rio


mas não foi

ficou pelas palavras
pelos rostos inventados
infiltrou-se nas veias de engordar anos
encheu os dias de lacunas injetáveis
rumo ao horizonte redondo do invisível
amor foi mas é ítaca meu caro dédalo

por isso tu voltaste ao teu inferno
sob a óbvia forma de maldito

e eu acordo com o som do nevoeiro
e envergo a vigília inesperada
aliás o despertar último às coisas e pessoas
o que foi vergonha ou tormento
e a voz descarnada ó demónio
vade retro

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

pandora e os dedos

abri a caixa de pandora
e agora
ando a tentar sentar sobre o tampo
como quem nasceu do acaso
assobio faço questão de não saber
armo-me em parva
e canto músicas antigas
enquanto tudo -sem exceção- dá por mim
quando eu não quero dar (nada) por nada
por ninguém

nada me poupa
nem os pássaros
nem junho nem o sol
nem as veias azuis
as carnes velhas o fumo indesejado
nem os 38 anos e um poema de Adélia Prado
que auxilia mas não traz um mundo novo

a pandora ainda sujeitou a esperança
eu só consegui apanhar os dedos

quinta-feira, 21 de abril de 2011

todos los paisajes son el mismo

atravesar recuerdos como una aguja atraviesa el cuero viejo
dedos que escapan de la labor
todos los paisajes son el mismo
todas las montañas destripadas son iguales

pero heme aquí renunciando
a saborear páginas de olvido como todas
a la belleza la huida el no ser no estar no parecer no desear
todo lo que un día quisimos construir
todo lo que creímos a pies juntillas
y que nunca había sido
a esa telaraña de cegueras creada para no saber
a sufrir no tener que comprender
a asistir al fraude
la calumnia el desamor la soledad inducida
el rincón oscuro donde confinaron nuestros sueños

sábado, 19 de março de 2011

ecos de lo posible

tú desdientas las memorias mientras
yo paseo por mis manos una manzana
nuestras verdades míseras desnudas
amarillas maravillas
curvas de silencio que pulen las aristas
de esa nube que podría amenazar lluvia
de piedras y palos pero riega un suelo
donde a veces crecen flores impensadas
no te peso no me mides
nadie espera todo se reduce
a un culto de pequeños ruidos
los segundos discuten sobre nosotros
mientras el sol nace y nos ilumina
las manos aún calientes aún envueltas
en el último sueño
que me cuentas

édipo

vi-te a caminhar entre as arestas
entre as florestas virgens do todo
entre as linhas dos trens que nos afastam
tudo é longe quando a viagem é eterna
nada nos toca afinal
e tudo nos pertence
tudo dentro um todo
um nó górdio de idas e voltas
e nós comemos pão com a certeza
absurda do amanhã farto

mas no destino cruzamo-nos
a cada dia com o nosso filho
édipo
prestes a matar-nos por
um dá cá essa palha

sexta-feira, 18 de março de 2011

ahora que los días huelen mal

ahora que los días huelen mal
que el agua trepa las paredes de los cráneos
convertidos en macetas
nada nos separa nada nos une nada es todo es mentira
quién ha dicho que mañana va a llover
los lunes crujen porque siempre hace frío al regresar
no nos alejamos del pasado sino de lo imposible
no queremos ir al mar sino abrazarlo
y no llorar cuando se nos escurra entre los dedos
hay una brújula orientando al oeste donde todo es enterrable
donde nada nos juzga
donde podemos aplaudir lo cotidiano los despojos
el olor a frito y a cuarto de baño
donde podemos gritar sin esconder lo feo
permitir al otro ser lo que es sin eufemismos
no me quieres pero no importa yo tampoco
me quiero y
así seguimos por los siglos de los siglos a pecho abierto
preguntándonos quién has sido dónde he estado
porqué nos acercamos para hacernos daño

segunda-feira, 14 de março de 2011

medir as distâncias

ausente não dá
antes a vontade é

medir em olhares esquivos
nas distâncias os limites dos corpos
experimentar
o corpo da voz íntima
os matizes da cor da pele
o riso à sombra ao sol
o olhar o cabelo distraído de trás
uma mão esquecida que sai do bolso
e acidentalmente toca o rosto

aproximar-se sem dar por nada
deixar o cheiro vir no ar
e saber que oq ue a gente é
é o que a gente quer
para um tempo que não acontece

domingo, 13 de março de 2011

verdad

mi verdad es desapego
mi verdad es mi mentira
el fruto, los márgenes del ocio
todo lo que huele a tierra y se pudre
y convoca una lluvia sucia de fábricas
para alimentar el gusano de mis venas
mi verdad es no te quiero - aunque lo intento
mi verdad es no te echo de menos
empujo hacia dentro buscando la salida
la atmósfera irrespirable que generan
las heces del pasado indigesto
todo lo que huele a pobre y se acerca y husmea
entre mis ropas
buscando un hueco entre mis egos
una cueva entre telas perfumadas
donde asentarse y engordar el monstruo
que llevo dentro
mi verdad es sucia, te alcanza, te lame
huele a miedo

sábado, 12 de março de 2011

arroz doce

colocar-se sem velas nem altares
sob a proteção de gente
(deus não nos protege além dos nossos atos)

há um trilho aberto em direção ao leve
que torna tudo o tacto as palavras os olhares
num risco de devassa
é urgente guardar forças para verde riso arroz doce
não para muros grades arames farpados

não ser fraco nem visível
que ambas coisas dão no mesmo
e o ser humano é tão tão humano

terça-feira, 1 de março de 2011

astigmatismo

só ao longe posso ver-te de perto
não sei reparar nos pequenos defeitos
posso tão-só estudar os teus acenos
descubrir o que escondes enquanto conjugas verbos
como pronuncias torto as noites em silêncio
o sentido que ao pôr-do-sol tem o teu jeito
tudo o que me é impensado leve alheio
e fala alto de ti e dos teus anseios

quem nos dera uma praga
de astigmatismo para ninguém
ficar pelos contornos dos corpos
as pequenas rugas dos olhos
o tamanho ou a feição do pénis dos seios

domingo, 27 de fevereiro de 2011

confluir

calo e convoco na distância
o teu corpo apagado no nevoeiro
da memória de um quase encontro
o nosso empenho em fugir ao explícito
tudo tornado cores palavras
tu a olhar a dizer: aquela árvore é uma música
e eu querendo-te apenas a fazeres-me amor
sem gestos palavras pecados metáforas
do cabelo as roupas as idades as nações
como se não existisse o mundo a fome as dores
como se o nosso espaço o lençol onde encostar os corpos
crescesse além das fronteiras conhecidas
e o tempo tivesse sido criado apenas
para tudo confluir em eu tu uma superfície macia
um instante apenas um tudo-nada no tempo do universo
onde carimbar o gozo a ternura aprendidos noutras vidas
para depois eu tu tudo sumir deixando apenas um gosto doce
no paladar da memória que foi

amanhã

correr que nem perdida
para o lugar onde tudo acontece
ninguém ouvir os passos
apenas o mágico percebe o sentido
dos ouvidos alertas
tudo segue em frente como nunca
tempo para demorar nos sons nas paisagens
já não há por isso
segurar lembranças como hábitos
escondidos praticados pelas mãos sem ordem
como apertar os atacadores
ou afastar o cabelo dos olhos
tudo para estar presente no momento
em que o tempo
não seja mais o amanhã
o ponto de interrogação
as reticências
o que esperamos e nunca é
por essa sua condição essencial
de não chegar

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

quantum lenga-lenga

¿En qué estarán convertidos mis viejos zapatos?
¿Adónde fueron a dar tantas hojas de un árbol?
(Silvio Rodríguez)


una frase de einstein
ilumina los ojos de una mujer iraní
justo antes de que descubra su cabellera
que caerá y nutrirá el suelo
que alimenta a ahmadinejad

un átomo de hitler
circula por las venas
de un sionista que grita
muerte a los palestinos

una molécula de aire
del pulmón de mubarak vuela
para habitar el último aliento
de un joven llamado khaled said

de qué materia están hechos los gestos
las palabras las ofensas
todo lo que hemos guardado
para justificar la miseria?


adónde van las mentiras
de qué está compuesto el dolor
dónde se aloja el pasado
quién sustenta el odio la rabia
quiénes son el tú y el yo?

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

adeus

assistir ao adeus dos nomes
sumindo como chuva
noutra erva
virando uma outra água
afastada
impossível ao tacto
do tempo do agora

despedir paisagens
que já não inquietam
noites com tendência para
nightmares
[palavra obscura
de qualidade líquida
maré noturna
a enfiar-se silenciosa
entre tudo o que somos
ventre sonhos lençóis]
não fazer mais sentido
e meus sentidos
voltarem a ser meus
embalos calmos
berços baloiços
dormidos

para o hoje o dia da luz serem
sonho de barco morno
ao longe pássaros risos
sol e pão com mel
de volta ao encontro
de um nós que
é

domingo, 20 de fevereiro de 2011

a vida

o pulo sobre o instante
a ponta do pé na água do passeio
de um dia de chuva
a ponta da língua
que não se torna verbo
num segundo que já foi
sorriso de Buda
com olhos de samurai
a leveza de tudo que nos acontece
e não chora nem ri por ninguém
porque choro e riso se alimentam
da renúncia ao instante que se vive

a vida
o mergulho sem garrafa
tudo o que serve à disciplina do salto
sem vara

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Delírio

É porque me lembro do teu rosto
onde escondeste o medo na distância
e da lonjura onde plantaste
a bandeira derrotada da desolação e o frio
no espelho baço da memória
o rosto duro e fechado e seco de quem teme a d-or
que se define por contraste
como a c-or
e é também película sensível
e oposto no espectro do am-or

É porque me lembro das tuas mãos
esquecidas para o íntimo
lembradas para o verso e não a palma
mais perto de soco que carícia
mais agudas do que côncavas
espiralmente pregadas nelas próprias
para abrigar a linha do coração
ferida

É porque me dá tristeza umas mãos tão lindas
e nada belo para fazer com elas
a não ser brincadeiras de criança escondida
túmulos do medo
dedo que se torna unha e unha garra
e garra ferro e ferro grade
trespassada até abrir de novo as mãos
que largam os cabos da vida e a verdade
para acariciar abraçar segurar agarrar
muito dentro muito fundo muito forte
a distância o adeus o delírio

É porque te vi te soube te fui
que sei da d-or sei do mundo e sei da morte

domingo, 9 de janeiro de 2011

epílogo em jeito de janela

Todos meus erros descendem do excesso,
não da penúria.

Fabrício Carpinejar, Reserva de Chuvas




Não se pode crescer por vontade de superar
o que não se compreende.
Não se pode descer do excesso de vazio
que convoca o excesso de efeito
para cobrir o código negro que o habita.

Deve ser por isso que gosto de constelações.
São tão belas sobre o código negro.
Além disso,
basta combinar estrelas para se extirpar o espelho.


(in Às Portas do Jardim, 2005)