sexta-feira, 15 de junho de 2012

Aves




Canta, pájaro lejano…
-¿en qué jardín, en qué campo?-
Yo estoy aquí, solitario,
en la penumbra del cuarto,
Juan Ramón Jiménez


Dormira por muitos anos. Dormia, e dormida baloiçava berços e cantava estranhas cantigas de embalar ausentes. Às vezes sonhava com sintagmas impossíveis e dormida sorria de tanto caos, mas ao amanhecer a sintaxe cortava-lhe as asas. Foi assim até ao dia em que o pássaro longínquo aninhou nos seus olhos. Um pássaro inverosímil de canto exponencial. Não soube que estação traria o seu som, mas reconheceu o odor familiar do vento cálido que o aproximava. O vento do verbo no princípio.

Talvez num tempo longínquo eu própria tenha sido uma ave, pensou. A língua dele é-me própria, como outono do caqui. Quando não dava por nada, parecia-lhe ouvir a suas palavras noturnas na garganta alada. Nunca me contou quando aconteceu o pássaro. Talvez tivesse sido sempre assim e cada noite ela cegasse as palavras em cópulas temperadas com desatino, e cada manhã, após a morte noturna, esquecia a sua língua original para a poder reconhecer vagamente num canto longínquo e acolhedor.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

sei lá

sei lá
a casa os livros
gritam ser o que queres ser
ter what you'd like to taste
enquanto esperam
sei lá
vencer o ar a caminho
de um lugar qualquer
o supermercado
aonde terás que voltar para repetir
os mesmos gestos tão úteis
para o estômago
tão vazios como ele
até amanhã
como se fosse diferente
ou pior
como se fizesse alguma diferença

sábado, 17 de dezembro de 2011

seguir

siete palmos de breve tierra
cuántos litros de verbo derramados
sobre la arena de la nada

qué difícil es desarmar
las intenciones desnudar
los ánimos asumir la derrota
de los ojos del deseo
de amar al prójimo
y dar no lo que se puede
sino lo que no se tiene
y seguir creyendo en el hoy
en el mañana en el humano
en el poder de cambiarse y cambiar
el mundo, nuestro mundo de gestos
y palabras breves, nuestro mundo
de seres ciegos y cercanos

pero qué bello es seguir
y mirarse y mirar al otro
y sentir que queda tanto por ver
por destruir por construir
tanta belleza por sentir
tanta verdad para dar
tanta vida para agradecer

morna cesariana

existe um jardim prometido
um oceano vital de necessidade
uma casa natal um colo onde dormir
um embalo suspenso sobre si mesmo
onde todos levitamos
onde tudo é possível
o infinito agora
onde a nossa casa é a lembrança
de uma música leve longínqua
que ecoa como a infância
um território sem forma onde aterram
os sonhos
onde o tempo é uma ideia louca
onde a única verdade é o ser
e os corações caminham descalços pela areia
que foi rocha e se tornou praia

terça-feira, 1 de novembro de 2011

vade retro

se fosse verdade
eu já tinha arrancado os dentes às nuvens
se fosse verdade
já tinha abraçado uma noite no rio


mas não foi

ficou pelas palavras
pelos rostos inventados
infiltrou-se nas veias de engordar anos
encheu os dias de lacunas injetáveis
rumo ao horizonte redondo do invisível
amor foi mas é ítaca meu caro dédalo

por isso tu voltaste ao teu inferno
sob a óbvia forma de maldito

e eu acordo com o som do nevoeiro
e envergo a vigília inesperada
aliás o despertar último às coisas e pessoas
o que foi vergonha ou tormento
e a voz descarnada ó demónio
vade retro

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

pandora e os dedos

abri a caixa de pandora
e agora
ando a tentar sentar sobre o tampo
como quem nasceu do acaso
assobio faço questão de não saber
armo-me em parva
e canto músicas antigas
enquanto tudo -sem exceção- dá por mim
quando eu não quero dar (nada) por nada
por ninguém

nada me poupa
nem os pássaros
nem junho nem o sol
nem as veias azuis
as carnes velhas o fumo indesejado
nem os 38 anos e um poema de Adélia Prado
que auxilia mas não traz um mundo novo

a pandora ainda sujeitou a esperança
eu só consegui apanhar os dedos

quinta-feira, 21 de abril de 2011

todos los paisajes son el mismo

atravesar recuerdos como una aguja atraviesa el cuero viejo
dedos que escapan de la labor
todos los paisajes son el mismo
todas las montañas destripadas son iguales

pero heme aquí renunciando
a saborear páginas de olvido como todas
a la belleza la huida el no ser no estar no parecer no desear
todo lo que un día quisimos construir
todo lo que creímos a pies juntillas
y que nunca había sido
a esa telaraña de cegueras creada para no saber
a sufrir no tener que comprender
a asistir al fraude
la calumnia el desamor la soledad inducida
el rincón oscuro donde confinaron nuestros sueños

sábado, 19 de março de 2011

ecos de lo posible

tú desdientas las memorias mientras
yo paseo por mis manos una manzana
nuestras verdades míseras desnudas
amarillas maravillas
curvas de silencio que pulen las aristas
de esa nube que podría amenazar lluvia
de piedras y palos pero riega un suelo
donde a veces crecen flores impensadas
no te peso no me mides
nadie espera todo se reduce
a un culto de pequeños ruidos
los segundos discuten sobre nosotros
mientras el sol nace y nos ilumina
las manos aún calientes aún envueltas
en el último sueño
que me cuentas

édipo

vi-te a caminhar entre as arestas
entre as florestas virgens do todo
entre as linhas dos trens que nos afastam
tudo é longe quando a viagem é eterna
nada nos toca afinal
e tudo nos pertence
tudo dentro um todo
um nó górdio de idas e voltas
e nós comemos pão com a certeza
absurda do amanhã farto

mas no destino cruzamo-nos
a cada dia com o nosso filho
édipo
prestes a matar-nos por
um dá cá essa palha

sexta-feira, 18 de março de 2011

ahora que los días huelen mal

ahora que los días huelen mal
que el agua trepa las paredes de los cráneos
convertidos en macetas
nada nos separa nada nos une nada es todo es mentira
quién ha dicho que mañana va a llover
los lunes crujen porque siempre hace frío al regresar
no nos alejamos del pasado sino de lo imposible
no queremos ir al mar sino abrazarlo
y no llorar cuando se nos escurra entre los dedos
hay una brújula orientando al oeste donde todo es enterrable
donde nada nos juzga
donde podemos aplaudir lo cotidiano los despojos
el olor a frito y a cuarto de baño
donde podemos gritar sin esconder lo feo
permitir al otro ser lo que es sin eufemismos
no me quieres pero no importa yo tampoco
me quiero y
así seguimos por los siglos de los siglos a pecho abierto
preguntándonos quién has sido dónde he estado
porqué nos acercamos para hacernos daño