Canta, pájaro lejano…
-¿en qué jardín, en qué campo?-
-¿en qué jardín, en qué campo?-
Yo estoy aquí, solitario,
en la penumbra del cuarto,
en la penumbra del cuarto,
Juan Ramón Jiménez
Dormira por muitos anos. Dormia, e
dormida baloiçava berços e cantava estranhas cantigas de embalar
ausentes. Às vezes sonhava com sintagmas impossíveis e dormida
sorria de tanto caos, mas ao amanhecer a sintaxe cortava-lhe as asas.
Foi assim até ao dia em que o pássaro longínquo aninhou nos seus
olhos. Um pássaro inverosímil de canto exponencial. Não soube que
estação traria o seu som, mas reconheceu o odor familiar do vento
cálido que o aproximava. O vento do verbo no princípio.
Talvez num tempo longínquo eu
própria tenha sido uma ave, pensou. A língua dele é-me
própria, como outono do caqui. Quando não dava por nada,
parecia-lhe ouvir a suas palavras noturnas na garganta alada. Nunca
me contou quando aconteceu o pássaro. Talvez tivesse sido sempre
assim e cada noite ela cegasse as palavras em cópulas temperadas com
desatino, e cada manhã, após a morte noturna, esquecia a sua língua
original para a poder reconhecer vagamente num canto longínquo e
acolhedor.