domingo, 8 de novembro de 2009

palavras velhas, coisas gastas

já gastámos as palavras pela rua, meu amor
Eugénio de Andrade

o último a mergulhar é uma coisa velha
Nuno Camarneiro


palavras velhas, coisas gastas
coisas gastas em palavras velhas
como o rancor o medo as paixões que ocupam tanto

é preciso enxotar as coisas gastas as palavras velhas
abrir as cancelas não basta
é urgente um urro um pontapé no chão
que rebente do centro como um coração transbordado
e percorra sem tempo todas as distâncias possíveis
desabando o chão de todas as gramáticas
que alguma vez ousaram pôr ordem nas palavras

é preciso espaço para poder abrir as mãos
e pegar no imprescindível como se uma guerra
e não olhar para trás como se um futuro
e não arrastar o corpo como se uma morte

é urgente abrir janelas para a lufada
e cancelar as contas com o mau-olhado
e não olhar para o lado como se nada
e não calar a boca como se tudo

quero ver as coisas gastas como palavras velhas
a encher a rua em desafio
quero ver ecopontos sem cor para as coisas sem cor que já sabemos de cor
e salteadas como um eco velho e gasto
quero ver a gente toda a despedir camiões sobrelotados de passado
felizes e leves dizerem adeus sem lenço nem pena
talvez com um gosto de cuspe que já foi
e alívio ao dar pela falta do que já não presta

quero ver a gente a encher a rua para fazer lugar para um sorriso largo

é preciso caminhar a passo novo

é urgente amassar um novo pão

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