é preciso atravessar o deserto da solidão sem miragens de companhia; é tão fácil o tacto tornar-se uma ilusão que se esvai ao abrir os olhos de verdade, os olhos profundos que habitam o cordão por onde um dia fomos um, o umbigo que assinala essa união impossível, esse misto de aconchego, calor, alimento.
a vida é agora esta moradia com crianças a brincarem no jardim. não é altura de trancar as portas, nem de ficar de janelas abertas até ver o vento entrar e arrastar tudo, papéis, lençóis, peças de loiça antiga, reviver essa desolação das janelas sem dono ou mãe que as feche para guardar a casa do frio, do acaso, do azar.
longe dos dias em que as chaves ficaram ao critério dos viajantes, hoje sei que não está na mão de quem passa compreender as casas que dormem, as janelas fechadas à noite, as cadeiras com espaldar para não cairmos de costas no nosso próprio chão.
aqui restamos num quê de naufrágios que ficaram para trás, esse ar de capitães calejados pelo valor de um golpe de leme quando há que salvar a vida, pela beleza da calma que nos diz que há um amor estranho e morno nas mãos que verificam chaves, caixilhos, persianas, pés fora do cobertor, temperaturas, sonos tranquilos, água pronta para caso de sede à noite. tudo se torna grande quando as vidas são pequenas.
e é esse amor estranho quem decreta portas e janelas, horas de abertura e encerramento, tamanho das coisas, importâncias e miudezas, choros, mimos, frutas e sopas, é assim que a gente dá os passos no deserto, assim que arranja diariamente a sua pequena vitória vitória, acabou a história, avança para a cama vazia na certeza sossegada de nela esperarem apenas águas calmas e sono.
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